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Não é qualquer vento

  • idadecronica
  • 18 de mai.
  • 3 min de leitura


Faz tempo que não perco o ar. Não por medo. Nem por susto. Mas pela beleza de algo que me tocou de verdade. Por emoção desavisada. Por aquele tipo de alegria que pega pelas mãos e diz: “vem, sem pensar”.


Entre uma tarefa e outra, me peguei pensando quanto tempo faz que não sinto borboletas no estômago. A vida anda boa. Correta. 

Certa demais. E talvez por isso, gostosa sem gosto de nada. Ainda mais quando comparada ao deslumbre editado e ao caos frequente das redes sociais. Então eu me desconecto dessa armadilha. Melhor passar longe.


Mesmo offline, fiquei ruminando esses dias insossos e logo percebi que não era só sobre mim. Era sobre a gente. Nós, mulheres de 40, 50 anos ou mais que carregamos na pele a memória de tudo que já sentimos – e que, talvez por isso, não nos abalamos mais com qualquer vento.


A gente já se emocionou por pouco e sofreu por quase nada tentando descobrir o próprio lugar no mundo. Já acreditou em promessas brilhantes que duraram menos que uma música. Já se entregou com pressa, aceitando condições sem se escolher. E, aos poucos, a gente aprendeu a desconfiar do brilho rápido.


Hoje, a gente se conhece demais para cair em conversa fácil. Já sabe o gosto da desilusão embalada com laço bonito. Por isso, os arrebatamentos são mais raros. São diferentes. Não sumiram. Apenas chegam mais devagar e muito mais profundos.


Mais do que impacto, a gente precisa de verdade. E é aí que mora a beleza madura de se olhar no espelho e, pela primeira vez, se amar sem maquiar os defeitos.


A gente lê um livro que responde uma pergunta que estava muda dentro de nós há anos e isso muda o dia, acelera o coração. A gente se permite mudar de opinião, quantas vezes for preciso, sem constrangimento algum e com o rosto corado, mas de prazer. Num dia qualquer, conhece alguém que não tenta impressionar  e, justamente por isso, impressiona profundamente.


Ali, entre os 40 e os 60,  a gente escolhe viajar sozinha e se perder numa cidade desconhecida sem horário a cumprir.  Ouvir uma música esquecida abre um portal no tempo.  Mudar de carreira radicalmente é mais fácil do que parecia.  Ficar nua na frente de alguém é não esconder nada – nem o corpo, nem a alma.


A gente também aprende a olhar pro céu e lembrar  que quem já partiu ainda acende estrelas no nosso peito. A gente ouve do filho crescido: “mãe, me ajuda?” — e entende que tempo nenhum tira de nós o papel de protetora. Só nos devolve a chance de nos cuidarmos também. 


Envelhecer, então, não é o fim dos arrebatamentos. É o tempo do critério. É quando o coração não se entrega por impulso mas se entrega inteiro, menos vezes.  É quando a gente para de esperar fogos de artifício e passa a se encantar com uma vela acesa no meio do caos.


Sim, os arrebatamentos ficam mais raros. Mas quando acontecem...

Eles não duram uma noite.

Eles duram por dentro.

Eles moldam a gente.


E a gente, enfim, entende: nunca foi sobre frequência.

Não faz bem buscar, o tempo todo, epifanias intensas.

A gente erra, achando que só vale a pena se for vívido, transformador, intoxicante. Mas o que vale (o que realmente vale) é o que é intenso o suficiente para permanecer nos tocando... mesmo depois que a adrenalina baixa.

 
 
 

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ASIN ‏ : ‎ B0DNKCQFVM

ISBN 978-65-01-21095-7

Ano de publicação: 2024

Impresso por: Fábrica do Livro

Distribuído por Amazon Brasil

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