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Desequilíbrio do juízo

  • Foto do escritor: Rejayne Nardy
    Rejayne Nardy
  • 30 de nov.
  • 2 min de leitura
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Dizem que manter a sanidade é o grande desafio da vida adulta e desse nosso momento atual, cheio de contradições, complexidade e sobrecarga emocional. Discordo. O desafio mesmo é saber em que momentos vale a pena perdê-la.


A gente passa o dia tentando ser racional: fecha planilhas, paga boletos, segura a língua, a emoção e o cartão de crédito. Faz terapia pra entender o que sente, medita pra fingir que entendeu, e quando finalmente acha que está no controle… vem a vida nos empurrando pro desassossego, seja com uma vontade adormecida que desperta do nada, uma ideia atravessada de abrir um negócio próprio ou uma notícia que muda o rumo das coisas. Concordamos, quase todos, que às vezes, só um “oi sumida” já basta.


Existem mesmo muitas coisas, banais ou significativas, que desequilibram nosso juízo e, se não ferem o Código Penal nem a boa convivência, desconfio que podem fazer bem pra gente.


Eu, por exemplo, perco a compostura quando tem bolo de cenoura no menu e depois de 4 pedaços me sinto leve (de alma). Se eu vejo uma t-shirt dos sonhos, esqueço que comprei outras cinco, que o cartão ainda geme e acredito piamente que, dividida em parcelas, a camiseta cabe no devaneio.


Sei de histórias de gente que jura que vai dormir cedo, mas fica revendo conversas antigas, que esquece o ovo cozido torrando no fogão quando descobre um hobby novo. Tem, aos milhares, o maluco ou a maluca que, por causa de um sonho novo, desorganiza os velhos todos. Conheço também quem, costumeiramente, atrasa a volta pra casa por causa do pôr do sol e quem se atrasa pra vida por causa do aroma de café. Ou gente que abre um vinho só pra “acompanhar o silêncio”, que diz sim antes de qualquer cálculo, que maratona série na véspera de reunião importante, que não confirma presença porque é mais gostoso viver no modo talvez...


Sempre digo o quanto admiro as pequenas subversões, as minis rebeldias, as desobediências de estimação, as imprudências simpáticas — essas irresponsabilidades calculadas de quem ainda prefere viver a apenas funcionar.


Talvez seja esse o segredo pra não perder a cabeça de vez: se permitir perdê-la aos poucos — com critério e constância. Todo dia se entregar aos acasos que nos rodeiam. Se entregar sem se perder, aproveitando um pouco mais o trajeto, fazendo aquele rodeio que diz mais sobre nós que as grandes certezas.


Porque ninguém é feito pra viver só em linha reta. De vez em quando é preciso um tropeço bom, um desvio, uma vertigem que prove que a gente ainda sente.


Equilíbrio demais entedia. Juízo demais envelhece. Rigor demais emburrece. É recomendado enlouquecer por algo bonito, sincero e levemente parcelado.

Confirme com seu especialista de confiança ou alguém com mais de 60 que cruzar seu caminho esta manhã. Esse pessoal, mais experiente, com autoridade em vida vivida, costuma saber que perder o juízo, de vez em quando, é o maior sinal de lucidez.


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