Direito de envelhecer
- Rejayne Nardy

- há 1 dia
- 2 min de leitura

Geralmente escrevo sobre a meia-idade feminina.Sobre envelhecer bem, com leveza. Hoje, escrevo sobre o direito de envelhecer. Apenas isso: viver o suficiente para chegar lá.
Fui tomar café com as filhas e o marido, num local próximo de onde, aqui em BH, começaria um dos atos contra o feminicídio. Foi proposital. Pedi que todos vestissem preto. E fomos.
Enquanto o pão de queijo chegava, tentei explicar para minhas filhas o que estava acontecendo ali fora. Um grupo de mulheres começava a se reunir, cartazes nas mãos.
Como explicar que há meninas como elas que não vão crescer? Mulheres como eu que não vão envelhecer? Como traduzir em palavras que o amor, quando vira posse, mata?Que o silêncio de muitos de nós é o oxigênio da violência?
Como explicar um domingo como esse?
Como explicar os últimos dias?
Mais difícil ainda: como explicar os últimos séculos?
Como contar para duas meninas de 13 anos que há mulheres que não chegam aos 30 — não por doença ou tragédia aleatória — mas porque foram assassinadas por homens que diziam amá-las?
Lá fora, vimos frases que ardiam:
“Eduquem seus filhos para não virarem nossos assassinos”
“Quem ama não mata”
“Proteja suas amigas”
Falei sobre o medo. Sobre todas as vezes que repeti pra elas não deixarem de me avisar quando chegassem. Sobre não aceitarem bebida de ninguém. Sobre não levarem a cachorra pra passear na porta do prédio e ficarem com ela dentro de casa mesmo. Sobre o aplicativo de localização sempre ligado. Sobre não irem sozinhas ao banheiro. Sobre não falarem com estranhos. Sobre compartilharem qualquer sentimento estranho e difícil de definir diante de situações cotidianas.
Minhas filhas me ouviram com o espanto de quem ainda acredita que o mundo é bom — e com a tristeza de quem começa a entender que não é sempre assim. Mesmo não sendo mais crianças, uma delas perguntou:"Mas por que aquela moça foi arrastada?"
Minha boca se encheu de estatísticas, de leis, de teorias. Mas parei. E disse apenas: “Porque ainda nos veem como menos.” Depois acrescentei, com um nó na garganta: “Mas a gente vai mudar isso. Nem que seja assim, aos poucos, um domingo de cada vez.”
Senti falta de ver mais de nós ali na praça. Olhei para minhas filhas e desejei, com cada célula do meu corpo, que quando estiverem com a minha idade, domingos assim sejam só história.
Que um dia possamos falar da violência de gênero no passado. Que nossas filhas falem de feminicídio como quem fala de um pesadelo que já passou. Que a leveza de envelhecer não seja um privilégio — mas sim, destino.


Comentários