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Esquecer pra lembrar

  • Foto do escritor: Rejayne Nardy
    Rejayne Nardy
  • 9 de fev.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 16 de mar.

Hoje pela manhã, enquanto ouvia uma de minhas playlists, fui comovida por uma música aleatória. Uma canção inocente serviu de empurrão pra minha vontade de escrever. Aqui estou envolvida com as primeiras linhas...

 

A música falava algo sobre feridas de um amor que nos lembram que o melhor é esquecer. Antes de seguir, é de bom tom citar a fonte e dar os devidos créditos aos artistas que despertaram minha compulsão por crônicas.  A música é Remind Me to Forget de autoria (acho eu) de um tal de Kygo com participação de Miguel (desse, sinto por não saber nada a respeito). Conheço bem pouco também do primeiro artista, a não ser o fato de ser DJ e produtor musical lá na Noruega. Um Kygo que, pra mim, é o Alok da Noruega. Ao brasileiro, deixo claro que não faço ideia se ofendo ou elogio com essa comparação musicalmente leiga.

 

Declarada a minha ignorância a respeito dos artistas e também, adiante, a peculiaridade de ter adicionado a tal música em minha playlist intitulada “Ohhhh” (que em onomatopeia significa “me causou alguma reação boa”), vamos ao que realmente me fez vir escrever, ao assunto que deve preencher as próximas linhas. Tratarei do que vale lembrar de esquecer:  muitas e muitas ocasiões que insistem em nos paralisar no tempo, impedindo que a gente avance por não se lembrar que é possível deixar pra lá. 

 

Insistindo na ideia, deveríamos lembrar que não é nada bom lembrar de certas circunstâncias. Deveríamos esquecer das situações que nos disseram que não é possível deixar no passado.  Lembrar de esquecer. Esquecer de lembrar. Tanto faz. O lance é apagar da memória algumas ocasiões que já não são necessárias porque a lição já foi aprendida ou porque nunca será.

 

A primeira ocasião, e mais clichê, é mesmo um amor que não precisa mais ocupar espaço. Foi amargo, foi doce, foi desperdício ou passou dos limites. Mas é fato que foi. Já que ocasiões platônicas em uma de suas variações foi melodicamente tratada lá na música, vou partir logo pra próxima, muito comum também pra todos nós e uma das mais difíceis de serem esquecidas: pais, irmãos, tutores... pouco ou nada funcionais. Esses, transformam ocasiões ruins em martírio diário. Muitas vezes estragando bem mais que episódios de uma vida e danificando anos, décadas difíceis de serem apagadas. A esse grupo acrescento aqueles chefes nada hábeis em gerir coisa alguma, quanto menos pessoas, que fatalmente nos deparamos em algum momento da carreira profissional. O exercício de esquecimento aqui, sei, á árduo e não deveria.

 

A lista de acontecimentos “convenientemente esquecíveis” pode ganhar volume facilmente: amigos desleais, vexames adolescentes, acidentes por bobeira nossa, acidentes por irresponsabilidade alheia, golpes digitais e aquela vergonhosa ingenuidade que embaraça qualquer tentativa de explicação. Tem também um grupo grave que traz junto conjunturas maiores como saudade de quem precisou partir sem que pudéssemos dizer adeus,  saudade de quem éramos há tempos atrás, saudade do corpo e da saúde que se confortava em excessos e que hoje exige de nós uma transgressão total da rotina e nos vira do avesso.

 

A verdade é que soa como se jamais pudéssemos esquecer tanta gravidade. A vida é grave, sem exceção. E é justamente essa gravidade que molda e explica quem nos tornarmos. Muitos dizem, inclusive, que são as lições de momentos críticos que carregamos pela vida as responsáveis por quem nos tornamos. Concordo em partes. Eu, hoje em dia, ando tentando me livrar de pesos e encontrar formas de seguir com o que aprendi e o que me tornei sem muitos arrobas. Ando empenhada em levar comigo mais bolsos e menos bagagens, em arranjar espaço pra planos úteis e compactos em substituição a ruminações ou especulações do que poderia ter sido.  

 

Portanto, preciso mesmo, e cada vez mais, lembrar de esquecer detalhes que já ocuparam o espaço que lhes foi devido na passagem do tempo. Preciso dar lugar ao amor que amanhã vou descobrir, seja novo ou o velho de novo. Tenho que arrumar espaço pra, finalmente, passar adiante aquela mania boa de agradecer pequenas dádivas que aprendi com quem já se foi, mas não sem antes me tornar melhor. Posso fazer o contrário daquele colega de caráter duvidoso sendo absolutamente honesta em qualquer nova relação, mesmo que breve e pouco benéfica pra mim. Em tempos de proliferação da cultura da busca por vantagens, esquecer de ser espertinho abriria bastante espaço e oportunidades pro amanhã.

 

Repito, a lista de esquecimentos que abrem novos espaços pode ser mesmo bem grande... Esquecer de me anestesiar no celular pra lembrar da lista de livros que planejei ler. Esquecer o estresse no trabalho pra libido voltar. Esquecer de priorizar quem já não acrescenta pra lembrar que tem gente por aí com ideias que combinam melhor com as nossas. Esquecer a comida quase pronta no supermercado pra descobrir o curso de culinária prática que o vizinho começou a divulgar outro dia.

 

Kygo, não te conheço, mas obrigada por essas linhas que escrevi, trazendo de volta à minha memória que, depois de uma certa idade, ficamos desmemoriados, mas é só pra lembrar do que importa. 




Arquivo pessoal - Década de 80
Arquivo pessoal - Década de 80


Idade Crônica, de Rejayne Nardy – Crônicas e relatos sinceros sobre a reinvenção da mulher após os 40.

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