Guarda roupa
- idadecronica
- 24 de jan.
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Eu acordei decidida a mudar todo o guarda-roupa. Já não me reconhecia vestindo aquela coleção de peças senhoris, embora tivesse acordado mais velha e há poucos dias de completar os 40. Idade essa que batizei ironicamente como idade do meio, a idade crônica. Despertei de tanto ficar dias sem dormir, se bem que foram anos: um nobre período em que eu percebia, mas ignorava conscientemente que meu corpo estava fora de sintonia com minhas ideias e vontades. Só eu? Que nada! Certeza que havia muitos decididos com a mesma veemência a ignorar seus descompassos para manterem a nobreza das escolhas declaradas e das promessas feitas.
Embora eu tivesse pressa, a troca de figurino foi preciso fazer aos poucos, na medida em que o corpo metabolizava coragem e perdia a gordura de anos de acomodação. Bem devagar, novas peças iam chegando... uma t-shirt colorida e amizades mais leves, um decote mais aberto e olhares que nunca havia reparado. Logo em seguida, um tênis com brilho trouxe junto a abertura para uma programação livre de antigos preconceitos. O perfume novo borrifava vontades de não repetir o trajeto por aquela rua conhecida ou aquele trabalho que não mais inspirava. Eu estava gostando mais de mim, embora algumas pessoas não.
Meu guarda-roupa prenunciou a eclosão de uma crise de meia-idade, antecipando a sensação de que o cotidiano, mesmo sendo igual, não seria mais o mesmo. Eu estava mudando de roupa como se fosse de casca. Fico pensando aqui se uma troca inteira de guarda-roupa soa como fútil e banal em relação à profundidade das reflexões e reaprendizados de uma crise de meia-idade. Não deveria ser mais profunda? Não. Sabedores saberão que é mesmo assim... nas somas de momentos bobos que as maiores transformações acontecem. E quem vive há mais tempo os anos após os 40 deve saber melhor ainda que as mudanças seguem sorrateiras e cotidianas. E sabe, principalmente, que num determinado estágio dessa evolução, você se liberta muito rapidamente da dúvida ou angústia de parecer fútil, banal ou de receber qualquer outro adjetivo desimportante.

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