Quando Tudo é Igual, Menos Você
- Rejayne Nardy

- 22 de nov.
- 4 min de leitura
Claro que você já reparou que os corpos voltaram a ser iguais. Certo? Aquela magreza extrema está de volta. De novidade, temos apenas os jeitos de alcançá-la — quero dizer, de aplicá-la. O lifting das celebridades, o guarda-roupa das influencers, os edits dos vídeos de “minha rotina de autocuidado” às 5 h da manhã são os mesmos. Muitos dizem: são escolhas, cada um faz o que quer da vida. Concordo. Mas e se, por acaso (intencionalmente), estivermos apenas achando que temos escolhas?
Você já reparou quantas vozes falam igual? É um sotaque neutro, sem origem nem vocabulário próprio. Reels com as mesmas trilhas, as mesmas piadas, as mesmas dicas de produtividade, os mesmos pontos de vista. Ironicamente, a gente só discorda quando é pra concordar. No mais, é tudo tão igual que, se você der play com os olhos fechados, talvez nem perceba que o criador do conteúdo mudou. Eu, que trabalho com isso, percebo diariamente o quanto é difícil ser autêntico, fugir das artimanhas do engajamento ditado pelo algoritmo.
Você já tentou conversar sobre música com alguém recentemente? Aposto que a conversa se resumiu às “top paradas do mês”. Sou do tempo em que, para puxar assunto, a gente soltava: “O que você anda ouvindo?”. E as descobertas musicais eram as mais variadas possíveis. Hoje a conversa mudou e se resume a: “Essa viralizou no TikTok, você viu?”. As descobertas pessoais não são mais tão pessoais assim — são do robô, que tem muitas recomendações a nos fazer. As preferências viraram playlists coletivas. E o gosto... o de sempre.
Eu coleciono citações, e comecei a reparar que só passam em minha timeline aquelas que eu já printei — e que também estão estampadas em camisetas de malha sustentável. Mas, nesse caso, até que dá pra variar as cores. Vira e mexe, acompanho também as mesmas indignações no Twitter e nos sites de notícia — aquela revolta coletiva que evapora em 24 horas. Sabe?
Mas... e quando alguém não sente que se encaixa nisso tudo? Explode, então, um ato de rebeldia que nos lembra os hippies dos anos 60, os rockeiros dos anos 80? Nadaaaa. É só mais uma trend surgindo. Nenhuma grande revolução. Por agora, é só a vez da estética do “esquisito”. Ser estranho virou tendência — e então os “autênticos” já começam a ser copiados. O outsider virou filtro. O alternativo agora tem tutorial.
Insisto em acreditar, por pura observação diária, que existe um tipo de diferença que não dá para copiar. Aquela que já nasceu com a gente.
Com um laboratório humano em casa — sendo mãe de gêmeas — posso garantir minha teoria. Mesma placenta, mesma rotina, mesmas avós, mesmas canções. E, no entanto, um dia de cinema, em 2015, provou que o script interno é diferente.
“O Bom Dinossauro” parecia inofensivo. Mas, na sala vazia escolhida estrategicamente por mim, uma gêmea escalava poltronas e gargalhava como se a cadência das cadeiras vazias fosse um escorregador novo. A outra? Paralisada. A pipoca intacta. E, no fim, eu com ela no colo, tentando consolar o choro que veio com a cena da despedida.
A emoção não veio por contágio nem por influência. Veio de dentro. Veio dela. Hoje, uma se diverte com a vida alheia de forma quase terapêutica; a outra sente tudo como se fosse sua própria carne. Cresceram sob os mesmos olhares, viveram as mesmas dinâmicas e consumiram um cotidiano quase idêntico, mas guardam distâncias afetivas que os estudos nunca conseguiram me explicar direito.
E é aí que mora a minha crença. É quase certo para mim que a gente já nasce programado do nosso jeito — com as emoções mais propensas definidas, os silêncios, os risos, os encantamentos — mas vive num mundo que faz de tudo para remodelar esse código. Quantas mulheres da minha geração não se apaixonaram por algum homem chamado Richard, Tom ou Keanu? O mercado cinematográfico e a mídia sempre ditaram escolhas do coração e padrões de romantismo.
O que consumimos nos molda: as imagens, os gestos e pensamentos de quem nos rodeia, de quem escolhemos admirar (ou não) pela vida. Molda tanto que chega um momento em que já não sabemos mais se gostamos de fato de algo ou se nos fizeram gostar. Não sabemos se admiramos uma estética ou apenas a desejamos porque todos a estão replicando.
Chegar a esse ponto é como se tornar uma versão pálida do que poderíamos ter sido. É sinal de que começamos a esquecer que temos um jeito próprio de sentir, temos aquele sotaque cantado, temos lembranças que alteram nossas escolhas — e uma história que é só nossa.
O mundo anda reclamando da falta de diferenças, enquanto se vira do avesso para copiar os diferentes da vez. E todo mundo sabe: o certo é encontrar a nossa própria forma de não ser igual. Está tudo bem em não sermos iguais. Na verdade, deveria estar. Só que não é bem assim...
Culturas ancestrais valorizavam o que nos tornava únicos. Antigamente, a gente narrava nossas lendas ao redor do fogo, ao redor da mesa — e isso criava um elo tão forte que gerações e gerações mantinham sua identidade. Comunidades indígenas, tribos africanas, aldeias japonesas, contadores de histórias brasileiros — todos sabiam que quem esquece suas particularidades vira massa. Quem não honra o próprio caminho, apenas faz parte da manada.
Me pergunto, hoje em dia com bem mais frequência, onde anda minha consciência. Ela me escapa algumas vezes. Outras, volta forte e me recoloca num caminho onde me reconheço — embora sejam esses os momentos em que mais me sinto perdida. Onde mais sou eu, menos me sinto segura.
Se você também se sente fora do contexto às vezes, talvez seja porque preservou um trecho seu que está imune à trend da semana. E, se for esse o caso... que sorte a sua. Que sorte a nossa. Porque, quando tudo é igual, e ainda assim sobra um pouco de você, é sinal de que você não se perdeu.
Você ainda sente.
Ainda escolhe.
Ainda discorda.
Ainda é.
Se, assim como eu, for dormir hoje se achando estranho, perdido, lembre-se:
Quando tudo é igual, menos você… durma em paz. Você ainda não perdeu a capacidade de se enxergar. E pode até se sentir numa encruzilhada — mas iludido, você não está.



Comentários